As cinco disciplinas de Peter Senge para organizações que aprendem (descritas em As cinco disciplinas de Peter Senge) aplicam-se aqui como linhas-mestras para a sugestão de requisitos relacionados à configuração de ambientes editoriais de busca dinâmicos e afinados com necessidades criativas dos seus usuários.
A estrutura dos acervos de uma organização para a aprendizagem coletiva acompanha uma estratégia informacional permeável a mudanças e se estende ao ambiente e às condições de uso do conteúdo arquivado, bem como ao modo como esse afeta tanto os clientes finais quanto os responsáveis por sua gestão e atualização.
Os requisitos abaixo sugerem referenciais qualitativos para uma estruturação de conteúdo dinâmica.
1. Abordagem sistêmica
O primeiro contato do usuário na verdade não é com o arquivo, mas com os instrumentos, que antecedem a consulta às informações. Daí ser importante garantir o atendimento das necessidades operacionais dos usuários, reduzindo o tempo de localização de informações, por meio de:
■ Facilidade de acesso (rapidez, sem necessidade de instalação de plug-ins, acesso facilitado via browsers para usuários com deficiências físicas).
■ Aprendizado de uso intuitivo (tanto para o público especializado como para o público leigo exigindo pouco preparo técnico para lidar com múltiplos formatos).
■ Uso de padrões universais de classificação (transparência estrutural, leveza “ideológica” da estrutura, que evite as demarcações institucionais rígidas), de modo a permitir a interoperabilidade com outros acervos.
■ Atualização permanente dos formatos dos arquivos (texto, imagem, vídeo, som, animações, imagens 3D e panorâmicas, apresentações, PDFs) e mídias de suporte, de modo que se mantenham compatíveis com o ambiente tecnológico do arquivo e da maioria dos usuários e possam ser reutilizados nos resultados das pesquisas.
■ Informações de contexto e recuperação afinadas com os objetivos estratégicos do acervo, relacionados ao contexto de conhecimento e de atividades.
■ Recuperação e visualização dos resultados de maneira estruturada, com a categorização de grupos de informações, de modo a facilitar a percepção dos conceitos básicos e de possíveis relacionamentos, bem como das meta-informações associadas.
■ Suporte técnico.
■ Segurança dos dados a invasões e ameaças internas e externas.
Recursos adicionais:
■ Uso de vocabulários controlados e tesauros com a aplicação direta das terminologias utilizadas no tratamento das informações arquivadas.
■ Competências dos bibliotecários desenvolvidas em resposta às necessidades e expectativas das comunidades a que servem. Métodos, técnicas e instrumentos atendem à necessidade dos usuários, permitindo que cheguem às informações dos documentos no menor tempo possível.
■ Incorporação dos processos relacionados à gerência de propriedade intelectual como parte dos serviços da biblioteca aos usuários.
■ Proteção da privacidade dos usuários e suporte à liberdade intelectual.
■ Possibilidade de tradução em tempo real de buscas em algumas línguas estrangeiras para língua predominante no ambiente do acervo.
2. Maestria pessoal
Inventividade e inteligência do usuário; funcionalidades comunicacionais que visam ao desenvolvimento de competências pessoais e ao respeito às diferenças individuais, com o estabelecimento de tensões criativas entre usuários e conteúdo. Aqui o destaque passa a ser o usuário e não o sistema. É importante, para isto,
■ Permitir a leitura seletiva e de certo modo casual de informações interligáveis, para que novas informações aflorem em apreensões mais intuitivas do que planejadas e o usuário possa ser surpreendido por achados que não previa.
Os relacionamentos de diversas unidades de conteúdo em um acervo em diversos formatos, criam uma intertextualidade, ou “interinformacionalidade” que não se reduz à presença simultânea de diversas informações, mas implica na presença de muitas informações afetando-se mutuamente. A topologia da linguagem registrada concretamente nos deslocamentos e imagens expostos na tela, conduz a um conhecimento de si. (1)
■ Interlocução direta com os bibliotecários e agentes da equipe de arquivamento.
3. Modelos mentais
Estão relacionados às representações das informações ao modo como cada usuário constrói seu pensamento. Sugerem a personalização do modo de visualização e de navegação pela interface. Aqui o destaque passa a ser o sujeito que gera a informação, aquele que a transforma e trata e aquele que a recebe e aplica, recriando-a ou não.
■ Os dados e informações se mantêm “vivos” e potencialmente manipuláveis pelos usuários, adaptáveis a diversos modos de visualização e utilização.
■ O usuário pode fazer anotações e registros pessoais das buscas realizadas, receber retorno sobre estes registros (de bibliotecários, outros usuários).
■ A estruturação do conteúdo se adapta aos usuários com características pessoais e necessidades heterogêneas (2). Para usuários diferentes, diferentes bases de dados e diferentes formas de organização dos acervos.
4. Aprendizado coletivo
Permitir o acesso e dar suporte ao aprendizado de uso da ferramenta, por meio de processos de comunicação amplos e processos de formação de redes de competências. É importante pensar a transferência e o uso da informação e desenvolver serviços que a tornem mais acessível para todos os cidadãos. Aqui o destaque passam a ser os fluxos das informações e não o arquivo em si.
■ A ferramenta deve ter suas funcionalidades adaptadas ao perfil do público levando em conta diferenças de formação, atividades, linguagem, necessidades especializações.
■ Instrumental de acesso e recuperação aperfeiçoado gradualmente, com base nas observações de uso e nas demandas do dia-a-dia.
5. Visão compartilhada
Consolidar a cultura de desenvolvimento editorial democrático do conteúdo dos arquivos e estabelecer consensos. Aqui o destaque passa a ser as redes que se estabelecem a partir dos fluxos de informação.
■ Prover suporte de especialistas sobre tópicos de interesse prioritário dos usuários ou de interesse estratégico da instituição. Desta maneira, aperfeiçoa-se o sentido de “pertencimento” do usuário a uma comunidade ou grupo de interesse. (3)
As cinco disciplinas se mostram modeláveis à estruturação desses requisitos, embora haja alguma superposição entre alguns dos conceitos. Aprendizado coletivo e visão compartilhada estão muito próximos, na medida em que um conduz ao outro. Mas se mantêm separados para evidenciar a especificidade de cada um.
Sua abordagem se mostra eficiente também porque privilegia os processos de classificação e arquivamento, de conversão e formatação de informações em ambientes online, como também de comunicação e interlocução decorrentes do uso das informações em seus contextos de significação.
(Atualizado em 28.11.2009)
Referências
1) Acervos literários e universo digital: conexões abertas, Maria da Glória Bordini.
2) Bridging the mire between e-research and e-publishing for multimedia digital scholarship in the humanities and social sciences: an australian case study, Andrew Jakubowicz.
3) Bibliotecas constroem comunidades, Fabiano Caruso, 2006 (não mais disponível no endereço acessado).
→ As dez melhores suposições sobre o futuro das bibliotecas acadêmicas e os bibliotecários, por Fabiano Caruso.
→ Recuperação da informação: Análise sobre a contribuição da Ciência da Computação para a Ciência da Informação, de Edberto Ferneda. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
→ A quinta disciplina, de Peter Senge. São Paulo: Editora Best Seller, 1999.
→ As cinco leis da biblioteconomia e o exercício profissional, Maria Luiza de Almeida Campos (acesso em 29.3.2008)
→ M-cube: A Visualization Tool For Multi Dimensional, André Maximo, Maria Paula Saba, Luiz Velho (Interaction Design Association Chapter São Paulo, apresentação no SlideShare, acesso em 28.11.2009)
→ Serviços de informação arquivística na web centrados no usuário, de Ivone Pereira de Sá e Paula Xavier dos Santos. Revista Arquivo & Administração, volume 3, n.12, jan-dez 2004. Rio de Janeiro: Associação dos Arquivistas Brasileiros.
1) Sistemas de hipermídia adaptativa, de Luiz Antônio Moro Palazzo – descreve a área da ciência da computação dedicada ao estudo e desenvolvimento de sistemas, arquiteturas, métodos e técnicas relacionados à adaptação de documentos e mídias eletrônicos às demandas dos usuários (acesso em 20.11.2008)
→ Reconsidering relevance and embracing interaction, Daniel Tunkelang (Asis&T Bulletim October/November, acesso em 10.11.2009)